[RESENHA] Urso | Marian Engel
Marian Engel, um nome bem desconhecido para o Brasil, foi uma escritora canadense e membro fundadora do Writers' Union of Canada, uma associação que defendia os os autores canadenses, seus direitos, liberdades e bem-estar econômico. Sendo uma ativista em prol dos escritores, já dá para ter uma noção da sua influência. Ela também foi a ganhadora do prêmio Governor General's Award for English-language fiction e do Toronto Book Awards.
Em seus livros, Engel ilustrava as experiências cotidianas das mulheres, o peso que o papel de gênero possui em nossas vidas e a possibilidade da "fuga" dessa pressão. São, muitas vezes, livros que falam da auto-realização feminina e da confusão e estranhamento que isso possa levar.
Parece interessante, não? Sim, definitivamente. Quando a editora LiteraturaBR fez uma campanha no Catarse para a publicação, em portuges, de um dos livros mais famosos (e estranhos) dela, fiquei muito interessada… Então, vamos para o enredo de “Urso”.
E vamos falar logo do elefante na sala... Sim, ela tenta dormir com um urso. Não é uma metáfora. Não é um homem grande e peludo. É um urso. um literal urso. O animal, um Ursus arctos, da família Ursidae. Eu sei. Estranho. Muito estranho. Mas confia, e vamos prosseguir com o enredo. Sim, eu sei, é bizarro. Não olhe para mim assim!
"Não era uma criatura selvagem, mas uma mulher de meia-idade derrotada ao ponto do autoengano, do tipo que continuaria a esperar pelo resgate do marido muito tempo depois que o tempo deixasse de existir, e restasse apenas a espera."
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Em "Urso", a história acompanha Lou, uma bibliotecária solitária e introspectiva, sem muita motivacao e presa em uma vida mediocre e enfadonha. Mas, Após 5 anos presa em um trabalho miserável de catalogar livros e papéis velhos, Lou recebe a tarefa diferente e, aparentemente, empolgante: catalogar uma biblioteca do século XIX, em uma remota ilha do Canada, no norte de Ontário.
Chegando na ilha, Lou descobre que a mansão está em péssimo estado, e ela é deixada praticamente sozinha, mas essa não é a coisa mais chocante que vai perceber durante essa estadia, pois, na antiga mansão, também habita ele, o urso de estimação da família que antes morava na casa.No início, o urso desperta um interesse profissional. "Com devo cuidar dele?", "ele é perigoso?", "com o que eu devo alimenta-lo?". Uma tarefa na sua lista de afazeres. Entretanto, gradualmente, uma estranha conexão emocional começa a se desenvolver entre os dois. Eu sei! É estranho.
Lou tenta deixar o urso confortavel, tenta descobrir o nome dele e começa a personificar muito os comportamentos do animal, interpretando cada ação do urso como algo... humano. (Eu pessoalmente fui entrando em panico nessa hora, pensando "não, não, não, não, mulher, é um bicho!"). Com o avanço da história, Lou se envolve ainda mais com o urso. Faz paseios com ele, leva ele para o rio, toma banho com ele (socorro). Essa relação, por mais estranha que pareça, é uma resposta para a solidão (física e emocional) da protagonista e para anseio por conexões profundas que Lou tem. O urso é, então, um símbolo da busca por intimidade e liberdade.
No final, temos essa liberdade finalmente alcançada. E como é um livro curto, não vou me delongar no enredo, então vamos para a minha humilde opinião.
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"Urso" é uma livro... esquisito, para dizer o mínimo.
Terminei de ler e fiquei... confusa e perplexa. O que é esse livro? Narrativa erótica? Crítica ao patriarcado? Livro sobre união com a natureza? Uma história sobre duas criaturas terrivelmente solitárias que se encontram? Todas as opções acima? Não faço ideia.
Surpreendete e polêmico, o livro trata de temas delicados, como solidão, desejo e liberdade sexual, com algumas pitadas de críticas sobre o papel da mulher na sociedade capitalista (uau, isso soou muito pretensioso). A autora utiliza a figura do urso para tratar de questões de identidade e relacionamentos.
O livro me lembra, de uma forma incomum, o filme Beleza Americana, do diretor Sam Mendes. O filme, assim como esse livro, fala sobre comorbidade, aprisionamento, sexualidade e desejos reprimidos. Tal obra é uma crítica ao "american way of life", e nosso protagonista, Lester Burnham, como Lou, também está preso em um emprego infeliz e enfadonho, com uma rotina tediosa, sem conseguir ver perspectiva dentro da própria vida. Isso começa a mudar quando ele se “apaixona” por Angela Hayes, a melhor amiga da filha adolescente. Com essa obsessão, (não é amor, gente, sério) Lester começa a questionar os rumos tomados por sua vida e se rebelar contra as imposições sociais que o tornaram infeliz, para início de conversa. Estão vendo a semelhança? não estou ficando doida.
No filme, quando Lester passa a ver a vida através de outros olhos (graças a essa obsessão nem um pouco saudável e super questionável) ele guia sua vida de volta aos eixos, saindo de seu emprego medíocre e deixando para trás a ideia barata de consumismo norte americano. Ele se liberta disso (não vou falar mais do filme, ele é bom, quem quiser, vai lá ver). Bem, da para ver as semelhanças sim. Temos, tanto no livro quanto no filme, uma Fascinação indevida, que leva a diversos questionamentos sobre a forma que o protagonista vive a vida. Ambas as obras são perturbadoras e incômodas, mas com mensagens profundas e válidas por trás, o que faz valer a pena a inquietação.
Voltando para o livro (rsrsrs)
A obra desafia convenções sociais e morais, provocando reflexões sobre o que é considerado aceitável e os tabus existentes na sociedade. Mais uma vez volto a Oscar Wilde para dizer que não existem livros morais ou imorais, e sim livros bem ou mal escritos (e esse aqui definitivamente é um livro bem escrito!). O enredo incomum é acompanhado por uma narrativa elegante e profunda, muito tocante.
Apesar de ser uma história curta, "Urso" é muito impactante, o que deixou uma impressão forte em mim. Não dá para deixar esse livro em um meio termo, ele é um extremo, ou você ama ou detesta. A abordagem única e provocativa da autora faz do livro uma obra notável da literatura contemporânea, capaz de despertar intensas discussões sobre amor, desejo e liberdade.
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Obrigada por ler até aqui!
Beijinhos,
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