[RESENHA] A Guerra da Papoula | R.F. Kuang

 

   Em 2018, R. F. Kuang, escritora chinesa-americana, estreou no mercado literário internacional com o livro “A Guerra da Papoula”. E acho interessante comentar, antes de falar sobre esse livro incrível, um pouco da vida dessa escritora.

A jovem emigrou para os Estados Unidos junto de sua família quando tinha apenas quatro aninhos, saindo da cidade de Guangzhou na China, e indo para Dallas, no Texas. 

Formou-se em Relações Internacionais pela Universidade de Georgetown, mas, antes de se formar, começou a escrever o livro Guerra da Papoula (e ela só tinha 19 anos, eu odiaria ser prima dela) quando estava na China, trabalhando como treinadora de debates. O livro foi publicado quando Kuang tinha 22 anos sério, eu realmente não ia querer ser prima dela. E não acabou. Em 2018, frequentou o Magdalene College, University of Cambridge como ganhadora de uma bolsa, onde fez mestrado em filosofia em estudos chineses. DEPOIS ela foi para Oxford e recebeu um mestrado em Estudos Chineses Contemporâneos, ENTÃO ela voltou para os Estados Unidos para fazer um doutorado em Línguas e Literaturas do Leste Asiático na Universidade de Yale. A mulher é uma máquina de estudar. Uma ensinosuperioraholic

. Eu tô realmente chocada. Quero ser que nem ela quando crescer. Sério. Ou não, não sei se aguento.   

Certo, é impressionante toda a trajetória acadêmica dela, invejável, da verdade. Agora, vamos ao enredo do livro? 

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A história começa com Rin, uma órfã de guerra, que vive com sua família adotiva terrível e miserável, com uma vida terrível e miserável, que, por ordem da família terrível e miserável, deve se casar com um sujeito terrível e miserável. Esse casamento, aos olhos da família, é a única forma de fazer Rin ter algum valor (literalmente, eles estão pensando em lucro quando organizam isso). Como toda garota normal, Rin acha isso o fim do mundo. Infelizmente, parece a única escolha para ela.

Sem dinheiro, mulher e não tendo um bom sobrenome, além de estar em uma cidade pobre, o casamento é o único caminho possível para alguém como ela. Então ela se casa, tem filhos e vive uma vida terrível e miserável, fim da história. 

Brincadeira. 

Tinha uma coisa que ela podia fazer: entrar em uma “faculdade”. O ensino superior do Império de Nikara era uma forma de mudar de vida. Mas só conseguir entrar em uma boa academia não era o suficiente. Ela teria de entrar em uma que fornecesse dinheiro e um lugar para ficar. E, nesse cenário, a única academia assim era a Academia Militar de Sieghard, a maior escola do império de Nikara, lugar onde se formam grandes generais e soldados de guerra. Lá, ela acredita que pode ter uma chance de fazer valer todo o seu esforço. 

Depois de muito esforço e muita decoreba, Rin consegue passar no exame e entra na escola mais concorrida de todo o Império (chocando muita gente, já que “meritocracia” no sistema de ensino é uma criatura mitológica criada para manter a classe baixa na classe baixa, e levantar ainda mais a classe alta).

Certo, Rin passou no super enem, e todos os problemas dela acabaram… 

Claro que não.

Ao entrar em Sieghard, ela teria que se esforçar em dobro para conseguir se manter no mesmo ambiente que os outros alunos. A maioria deles (ricos e de famílias poderosas) foram criados a vida toda para estar naquele ambiente. Ela não deveria estar lá. Intrigas, brigas, desavenças e críticas à meritocracia correm soltas nessas horas.

E tudo piora quando boatos sobre uma Terceira Grande Guerra da Papoula param de ser boatos. 

Em pouco tempo, nossa protagonista se vê em meio a batalhas sanguinárias contra o exército de Mugen, e descobre um pouco mais sobre seu passado… (e ganha poderes bem maneiros).

 

Deu para entender bem o enredo? Ótimo! Agora vamos para a minha humilde opinião. Cuidado, pode conter spoilers. 

 

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Eu sei, eu sei, esse enredo que eu escrevi está com um tom super mega leve e descontraído (eu acho). Foi mal, sou péssima deixando coisas tensas, mas confia em mim, o livro é pesado, e começou com alertas de gatilho… eu não entendi bem ao certo o motivo, mas falo melhor sobre isso aqui (link) e você vai entender porque são bem necessários. 

Tirando esse encontro inesperado (foi o primeiro livro que eu li que tinha esse tipo de alerta) e voltando para o livro em si... MEU DEUS, que escrita boa! E que cenário diferente (pra mim, claro). Foi um respiro, uma brisa fresca, um gole de água geladinha no meio de tanta fantasia genérica e sem sal. 

O livro se passa em um país fictício, com fortes inspirações da cultura asiática, em especial, da China. E, de início, foi isso que me chamou atenção. Eu estava absurdamente cansada da velha “fantasia medieval na Europa”, não que seja ruim, é só que… enjoa. Então um amigo meu (Alec) indicou essa belezinha pra mim. (Obrigada Alec, sou eternamente grata). 

Para além das inspirações culturais presentes no livro, R. F. Kuang apresentou o universo de forma gradual (ainda bem, não aguentava mais começar um livro de fantasia pensando “o que diabos significa Gom Jabbar??”). Então, conhecemos o mundo “junto” com a protagonista, aprendemos como é a política desse país e de que jeito a guerra é tratada. 

Dois pontos sobre a guerra: 1) não é maniqueísta, ainda bem (Senhor dos Anéis destruiu as guerras em mundos de fantasia) e 2) é inspirada particularmente na Segunda Guerra Sino-Japonesa e no Massacre de Nanquim. 

Para quem não sabe o que foi o Massacre de Nanquim, vou resumir: foram assassinatos e estupros em massa cometidos pelas tropas do Império do Japão contra os habitantes da cidade de Nanquim, na China. Na época, Nanquim era a capital chinesa e o massacre ocorreu ao longo de seis semanas em 1937. Estima-se que entre 40.000 a 300.000 pessoas foram mortas, dentre mulheres, idosos, e bebês. Um evento horrível na história da humanidade. Lembro que quando fui pesquisar sobre, sai absolutamente enojada. E… em algum momento do livro, Kuang descreve um massacre similar. 

A leitura dessa parte foi muito sofrida, tive que parar diversas vezes, senão não conseguia ler. 

Kuang tem uma narrativa muito cativante, e ela foi capaz de descrever as coisas mais atrozes, dolorosas, sofridas, aaaaaaa, de forma responsável. Não era sofrimento por sofrimento. Tinha uma função na narrativa, para além de deixar o leitor incomodado.  

Então, o enredo interessante, somado a escrita caprichada da Kuan e as inspirações mais “diferentes” (do meu ponto de vista inculto, que quase não lê obras fora do eixo Europa/Brasil), fizeram a leitura ser bem legal. 

Mas tem alguns pontos que vou comentar.

Serei direta com uma coisa: esse livro tem MUITA coisa clichê, você consegue sentir o cheiro do tropo usado a quilômetros de distância, e o pulo do gato tá aí: não é uma coisa ruim. Temos o um tutor sábio e excêntrico, a rivalidade com o interesse romântico, a protagonista “diferentona” e underdog, o melhor amigo inteligente… várias coisas assim, que vemos em diversas mídias, mas foram bem muito bem executados, não pareciam genéricos, maçantes ou previsíveis. A escritora fez um bom uso de clichês. Foi um verdadeiro tapa na cara de qualquer um que acredite que “o livro tem que ser TOTALMENTE INOVADOR” e que “clichês são ruins”, não, neném, ruim é não executar a historia direito, escrever de forma porca e se apoiar unicamente em clichês e tropos sem conexão para escrever um livro. E isso não acontece em Guerra da Papoula, pode ler, é muito bom. 

A única coisa que não gostei tanto foram os personagens secundários. Tirando a protagonista, todos os outros pareciam meio sem graça e sem profundidade. Acredito que isso vá mudar nos próximos volumes da trilogia, e é uma coisa que estou disposta a pagar pra ver. 


Guerra da Papoula é um livro bem escrito, que critica a cultura da meritocracia, da guerra e das pequenas alfinetadas em certas pessoas. 

Eu gostei muito e recomendo a leitura. De verdade. Obrigada Alec por ter me indicado, um dia eu retribuo e indico outro livro tão legal quanto.


Espero que tenham gostado da resenha!

Beijoca e pipoca,

Gaby


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