[RESENHA] A Rainha do Ignoto | Emília Freitas
"Há alguém que não te esquece, é uma boa fada que ama a todos os infortúnios e detesta a todas as deslealdades! Ela deixa cair de uma mão uma chuva de consolações e de graças para os que sofrem injustamente, e da outra o castigo sobre os opressores que riem."
A Rainha do Ignoto, publicado pela primeira vez em 1899, é um dos primeiros volumes de literatura fantástica brasileiro, e escrito pela cearense Emília Freitas (dá-lhe “Siará”... O Nordeste sustenta a literatura nacional toda nas costas), fala sobre uma misteriosa sociedade utópica, formada quase que inteiramente por mulheres.
A história é narrada, em parte, por Edmundo, um jovem bacharel em direito que, depois de gastar sua herança curtindo e viajando pela Europa, volta para casa e decide se alojar na única propriedade que ele ainda possui, uma fazenda no interior do Ceará. Chamando muita atenção na pequena comunidade Passagem das Pedras, Edmundo é apresentado às intrigas e aos mitos da comunidade, entre eles, a da Fada do Areré, uma moça encantada, muitas vezes tachada de bruxa, que habita os arredores da cidade. Depois de vislumbrar essa tal moça em sua primeira noite, Edmundo fica fascinado, e decide descobrir mais sobre ela.
Libertando escravos e ajudando mulheres com o coração partido por todo o Brasil, a rainha do Ignoto crítica a intolerância religiosa, o governo e especialmente o papel que a mulher possui na sociedade patriarcal, revelando dores e sofrimentos femininos ao mesmo tempo que exalta a força, a determinação e principalmente o coração feminino.
"É das trevas que se pode contemplar a luz. Da pobreza e da obscuridade se veem as dores humanas por um telescópio; da fortuna, da felicidade só se enxergam os que se apresentam através das vidraças dos palacios e carruagens."
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Ignoto, do dicionário, “que ou o que é desconhecido, não sabido.” Isso já dá muitas pistas sobre o clima que será estabelecido nessa história: mistério. Uma moça desconhecida, sem passado, sem nome, que governa um grupo de mulheres em uma estranha ilha, que viajam pelo mundo levando justiça e cuidados.
Quando Edmundo, um homem padrão para a sociedade da época, entediado com a vida simples no interior, se disfarça e adentra na Ilha do Nevoeiro, na tentativa de entender todo esse mistério e conhecer mais sobre a tal rainha, ele acaba descobrindo mais sobre a sociedade em que o mesmo esta inserido. E, ao longo do livro, vemos um personagem mesquinho e insensível ver o mundo pelos olhos de Funesta e ganhar o pouco de empatia que lhe faltava, aprendendo, finalmente a enxergar a mulher como um indivíduo complexo, merecedor de cuidados e respeito (sim Edmundo, mulher é gente, pare de brincar com nossos sentimentos,
seu babaca).
A narrativa que flerta com o poético tem várias referências a cidades e cenários cearenses, o que coloriu de uma forma nova minha cidade Fortaleza e deixou o coração quentinho com as paisagens maravilhosos e mágicos descritas. É estranho, mas interessante, ler sobre uma cidade que você mora, mas do ponto de vista de uma pessoa no passado.
Apesar de o livro ter mais de 100 anos, a leitura é fácil. Os capítulos curtos e parágrafos simples, mas cheios de beleza me surpreenderam de uma forma muito positiva. O final um tanto… agridoce combinou perfeitamente com o livro e me deixou triste.
Diana/Funesta/Rainha do Ignoto, não importa o nome, era uma mulher à frente de seu tempo, como a própria escritora. Feminista, abolicionista, republicana, com muitas criticas sobre costumes, Emília Freitas usa sua narrativa para falar sobre o papel que cada um tem no mundo e na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, sem desmerecer em nenhum momento o espirito sonhador e romantico feminino, muitas vezes menosprezado e desvalorizado.
O livro é bom, leiam, sério.
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Obrigada por ler até aqui!
Beijinhos,
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