[RESENHA] O Retrato de Dorian Gray| Oscar Wilde

 "Porque só há uma coisa no mundo pior do que ser falado: é não ser falado."

Edição sem censura de O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, da editora Biblioteca Azul

    Imagine escrever um livro tão chocante e tão absurdo que, depois da publicação, te fazem censurar o próprio livro… e mesmo após essa "modificação”, usam seu livro como PROVA para te prender por "indecência". Sim, isso é O Retrato de Dorian Gray.

   O livro, mesmo fictício, foi a chave central do processo contra o escritor, que culminou em sua prisão, em 6 de abril de 1895, por “cometer atos imorais com diversos rapazes”. Por conta de sua homossexualidade, que era proibida na Inglaterra, o escritor, que já era bem conhecido na comunidade intelectual britanica, foi condenado à pena máxima de prisão com trabalhos forçados.

Oscar Wilde
    Mas mesmo antes da prisão, o livro já era um escândalo. Escrito em 1891 por Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray foi um marco na literatura mundial e um evento estarrecedor na comunidade conservadora e moralista do período vitoriano, recebendo uma enxurrada de críticas negativas, chamando o livro de “imoral”, indecente, sujo e tudo quanto é nome ofensivo. O motivo de tanto pânico sobre o livro é fácil de deduzir: em sua primeira versão (sem censura), o enredo faz uso do homoerotismo extenso e atividade homossexual implícita para dar continuidade e sentido a historia. Além de possuir outros "escândalos”, como adultério.

    Os sentimentos e os desejos são fundamentais para justificar o avanço da narrativa, e podemos perceber isso já no primeiro capítulo, onde é feita a introdução dos três personagens principais da obra, Dorian Gray, Lorde Henry e Basil Hallward, que, de forma velada, competem pela atenção um do outro. Essa “rixa” sentimental guia os outros conflitos. E isso foi o suficiente para colapsar os sensíveis leitores homofóbicos vitorianos.

    Por conta desse burburinho negativo, o autor editou sua obra, removendo parte do subtexto homosexual (spoiler: não adiantou muita coisa e o livro continua bem 🏳️‍🌈), e dando origem a versão mais conhecida, na qual, foram adicionados 7 capítulos para “contornar” os buracos que a remoção de algumas partes deixou.

    Essa edição que está comigo agora é a sem censura, que explica melhor esse conflito todo, e é cheia de notas de rodapé e alguns textos de apoio muito bons. Agora, vamos ao enredo desse livro tão polêmico.

"Não seria feliz se não o visse todos os dias. Naturalmente, às vezes só por alguns minutos. Mas poucos minutos com alguém que você idolatra significam muito."

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    O romance se inicia com Lorde Henry Wotton, visitando seu colega, Basil Hallward, que pintava o retrato de um belo jovem. O jovem em questão era Dorian Gray, um rapaz muito bonito, que fascinava a todos com seus olhos azuis, boca avermelhada, maçãs do rosto rosadas, cabelos loiros e um brilho sutil de inocência no olhar.

Ilustração do livro O Retrato de Dorian Gray
 Com as devidas apresentações, Henry começa a demonstrar grande interesse pelo jovem, por sua encantadora beleza, o que deixa o pintor preocupado (e, vamos ser honestos, levemente enciumado, pois o mesmo já sentia uma paixão por Dorian).

    Henry não é exatamente o tipo de sujeito de boa fama, e possui algumas ideias um tanto… problemáticas, e isso, infelizmente, acaba contagiando o garoto, que vai, aos poucos, abraçando o cinismo e a babaquice indiferença de Henry ao mundo. Henry, entre elogios à aparência de Dorian, o mostra as vantagens de ser jovem e belo, e ao mesmo tempo, mostra como essa fase vai logo acabar. A cada dia que se passa, a beleza de Dorian vai se esvaindo, e o tempo vai tirar o melhor dele. Desesperado com essa ideia implantada em sua cabeça, ao ver o quadro pronto, uma representação perfeita e imaculada dele mesmo, Dorian afirma que daria tudo para se manter eternamente belo enquanto só o quadro sofreria as consequências da vida e da idade. Aqui temos presente o infame pacto fáustico (leiam Fausto, do Goethe, é bem bom, ou assistam Madoka Magica, também é bem bom) que “concede” esse desejo e traz diversas consequências para o protagonista, que permanece belo e jovem independente do que acontece à sua volta.

"Diz-se às vezes que a beleza é apenas superficial. Pode ser. Mas pelo menos não é tão superficial quanto o pensamento. Para mim, a beleza é a maravilha das maravilhas. Só as pessoas superficiais não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo reside no que é visível, não no que é invisível."

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    Agora, vamos a minha humilde opinião.


    Me colocar no lugar de "crítica" dessa obra é um tanto engraçado, já que o próprio Oscar Wilde afirmou que “a forma mais elevada de crítica, assim como a mais baixa, é um tipo de autobiografia”, então… Espero que a minha seja boa, ou pelo menos, interessante. Oscar Wilde também disse que “não existe isso de livro moral ou imoral, há livros bem escritos, ou mal escritos”, logo, vamos começar por isso.

    O Retrato de Dorian Gray é um livro assustadoramente bem escrito. Eu já tinha tido contato com outras obras do escritor, como O Fantasma de Canterville e O Rojão Notável, e já nesses contos era possível ver o tamanho do artista que o Oscar Wilde foi. A forma que ele escreve é TÃO BOA DE LER. Eu acho raro achar escritores que mantêm o mesmo “estilo” quando escrevem contos e romances, e Oscar Wilde é uma desses casos. A qualidade se mantém, na verdade, a qualidade ultrapassa o conceito positivo que eu já tinha antes.

    Tudo que eu li de Wilde foi bonito e bem humorado. Críticas ácidas à sociedade da época, a costumes e aos próprios artistas estão presentes em todas as obras que eu li, e O Retrato de Dorian Gray é o que tem de melhor nisso. Nossa que livro bom. 

    O enredo também é fantástico e bem construído (não sei como ficou a edição censurada… no futuro farei uma comparação de ambas). A relação dos três personagens combina muitíssimo bem, e é assustador e interessante ver a lábia de Henry influenciar Dorian a ponto de moldá-lo, transformando o rapaz doce em alguém egoísta e egocêntrico. Afinal, Henry o convenceu que o que mais importa é a beleza e agora, ele a teria eternamente, o que mais importa além disso?

    Dorian vira um personagem tão ruim quanto aquele que o influenciou. Ele é egoísta, arrogante e narcisista, que idealizou a si mesmo a ponto de esquecer que a vida não pode ser confundida com a arte, e quando percebe isso, já não tem volta.

    Dorian Gray tenta fugir da própria humanidade e ser algo estático, como a pintura, não quis crescer, não quis aprender com as próprias ações, ele quis se manter intocado por tudo. E não é possível manter isso.

    O romance entre os personagens e como isso afeta a psique de Dorian Gray é divertidíssimo de acompanhar. Eu gostei muito e cheguei ao final do livro chocadíssima.

    Esse é um livro que eu adoraria esquecer para ler do zero e me surpreender novamente.

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Obrigada por ler até aqui!

Beijinhos,

Gaby



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